29 de janeiro de 2009

Afectos entre mundos

A avó

Adoro o meu neto.

Sou a típica avó que os pais detestam, porque deseduca. Quero lá saber! Para a minha nora, estou-me nas tintas. O facto de toda a gente comentar que ele é muito parecido com a mãe, para mim, não passa de uma coincidência e até comprova que há realmente pessoas lindas parecidas com outras que o não são. A opinião do meu filho também não me interessa nada, que sou muito mais avó deste neto que alguma vez fui mãe.

Aqui só existe um laço familiar: o meu com ele.

Como o pai dele voltou cá para casa depois do divórcio, o meu neto vem aos fins-de-semana, nas férias… E sentamo-nos os dois no sofá, os dois preguiçosos, os dois a ver o mesmo filme, os dois crianças…

O meu filho não lhe liga muito. Talvez esteja a ser um pai igual à mãe que eu fui. Nem sei se o meu neto repara nisso, já que o avô e eu compensamos largamente o carinho e a atenção que o pai não lhe dá.

E ele é tão doce… Com treze anos, aquela idade parva em que os miúdos se tornam insuportáveis, continua suave, terno, sensível, sabe conversar e opinar as tontices próprias da adolescência sem ser agressivo. Até o meu marido, habituado desde que me conhece a existir só para mim, por mim e em mim, gosta deste nosso neto.

Este menino é de tal forma especial que todos concordarão comigo depois do que vou contar.

O meu marido, de tristeza, começou a adoentar-se. Desequilibrava-se na rua, perdia o norte das conversas… Acabou por ter que ir para o hospital. Voltou pior, mas já ninguém podia fazer nada.

Encolhido na cadeira de rodas, cabeça baixa, olhando quase só para dentro de si, ia-se ausentando. Era de tal forma evidente este começo de partida que até o nosso filho tomou por hábito, durante a sesta diária do pai, ir sorrateiramente encostar o ouvido à porta do quarto, para se assegurar que ainda respirava.

Num fim-de-semana, tinha que ser logo num fim-de-semana!, ao cumprir o ritual diário, ouviu dentro do quarto uma paz que o aterrorizou.

Abriu a porta, acendeu a luz e comprovou que o meu marido já não dormia a sesta. O meu marido morria a sesta, de olhos bem abertos. E não entrou. Não conseguiu dar um passo. Mas conseguiu abrir a boca e gritar pelo meu neto, que era o único em casa naquele momento.

O menino, magro e louro – ele é mesmo assim, não pensem que são babosices de avó -, veio até ao quarto, passou para além do pai, fechou os olhos do avô, deu-lhe um beijo na testa e, com voz de nuvem, disse: O avô morreu, pai. Assim. Simplesmente. Sem pontos de exclamação.

E eu sei a dor que sentiu. E quanto lhe pesou ter a força que ao pai faltou.

Dei-lhe tanto amor naquela hora…

Espero que tenha sentido todas as carícias, todos os beijos, toda a doçura com que o embalei.

Eu, que morri seis meses antes deste dia em que o meu menino cresceu mais que o próprio pai, tive ao menos a decência de não o fazer à frente dele.

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